CLARINHA GLOCK, DA IPS - ENVOLVERDE - 30/04/2013 - SÃO PAULO, SP
É
necessário um novo contrato social na educação, que incorpore plenamente a
informática e a concepção dos direitos humanos do século 21, afirmou em
entrevista à IPS a doutora em meios de comunicação francesa Divina Frau-Meigs.
Professora de estudos americanos e de sociologia da mídia na Universidade de
Sorbonne Nouvelle Paris 3, Frau-Meigs afirma que professoras, professores e
estudantes devem assumir plenamente a transalfabetização.
Trata-se
de “saber ler, escrever, calcular e computar. Contudo, computar inclui entender
estas três categorias de informação: código, documento e atualidade/imprensa”,
afirmou Frau-Meigs, assessora do Conselho da Europa e da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Em visita ao Brasil para participar
de um seminário, a especialista conversou longamente com Clarinha Glock. A
seguir um resumo da entrevista.
IPS:
O que é a transalfabetização?
DIVINA
FRAU-MEIGS: É saber ler, escrever, calcular e computar. Contudo, computar
inclui entender estas três categorias de informação: código, documento e
atualidade/imprensa. Deve-se capacitar alunos e docentes. O papel da escola é
esclarecer e permitir às pessoas entender todo tipo de conteúdo, modificá-los e
comentá-los.
IPS:
Qual é o principal obstáculo?
DFM:
Os estudantes acreditam que sabem tudo, a partir de sua perspectiva de lidar
com computadores e tablets. E os professores dizem que se os alunos tiverem
bons conhecimentos para ler e escrever é suficiente. É necessário romper essas
resistências com sensibilização, em aulas práticas. Por exemplo: peço aos
alunos que procurem toda informação que precisam para seus projetos. Eles
respondem: “há milhões de dados, não sei por onde começar”. Ensinar a eliminar,
avaliar, qualificar, assessorar, mudar, esse é o papel da escola. É uma maneira
de aprender a aprender, que é o que devemos voltar a colocar no centro do
projeto curricular.
IPS:
Como aplicar estas propostas em países onde o pessoal docente ainda é mal
remunerado?
DFM:
Não estou certa de que se deva colocar o salário em primeiro lugar. Por isto
falo da necessidade de estabelecer um novo contrato social. Devemos voltar a
decidir que a escola importa, que a alfabetização importa e que hoje em dia é
imprescindível a alfabetização eletrônica. Uma vez que estejamos de acordo
sobre qual é nossa missão, aí sim poderemos discutir salários e condições
dentro e fora da aula. A transalfabetização não ocorre somente na escola. Os
ritmos escolares mudam, porque os alunos podem se conectar à noite, fora da
sala do ambiente escolar. O papel do professor também será diferente. É preciso
valorizar seu salário, mas sabendo o que requer para sua formação e as novas
condições de horários, ritmos e recursos. A decisão deve ser compartida pelo
por docentes, ministérios, sindicatos, empresas e estudantes, tal como um novo
contrato social.
IPS:
E como seria esse novo contrato social?
DFM:
Desde o século 19, o contrato social tem sido de uma escola livre, pública –
embora muitas sejam privadas – e secular. Deve-se incorporar a ela o caráter de
“aberta” mediante a informática, que dá acesso a muitos conteúdos de outros
países e culturas. Com a informática, as ideias podem ser desenvolvidas ao
máximo. E, se a utilizarmos bem, poderá empoderar a todos. Também é necessário
ampliar o contrato com a concepção dos direitos humanos que não existia no
século 19. Em 1948, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), nasceram os
direitos humanos universais e a internet. As duas ferramentas – moral e técnica
– nasceram ao mesmo tempo. É preciso tornar os jovens partícipes de um futuro
positivo. Isto se faz com valores. Queremos ser pessoas criativas, expressivas,
dignas, participativas, educadas. É isso o que motivará as pessoas a irem à
escola e também a mudá-la. Construído o consenso, depois virá a discussão sobre
salários e recursos.
IPS:
E como está sendo implantado este novo contrato social na França?
DFM:
O problema francês, como o de outros países, é a mudança de escala. Há
experiências de tamanho pequeno que já funcionam em escolas. Mas um sistema
laico, secular, público, aberto e livre tem de ser acessível a todos. Agora, em
maio, teremos uma reunião em Lyon com funcionários dos ministérios. Devemos
convencer os que tomam as decisões, porque se eles não nos acompanham, não
promoveremos esta mudança.
IPS:
Não se trata apenas de dotar as escolas de computadores…
DFM:
Absolutamente, não. Inclusive em países pobres muitas pessoas têm um portátil.
Os preços estão baixando, cada vez há mais aplicativos livres e abertos,
pode-se baixar tudo, e quanto mais, melhor. Mas é preciso capacitar sobre
transalfabetização para entender o desenho das plataformas, como editar seus
conteúdos e utilizar o que existe, avaliá-lo, informá-lo e arquivá-lo. Para
isto já temos pessoas formadas, invisíveis ao sistema, que são os
bibliotecários. Eles se informatizaram há tempos. Na França, estamos
capacitando-os para que também sejam formadores/educadores. A expressão oficial
é “professor bibliotecário”: não são apenas ajudantes, podem mostrar às
crianças a informação como código, como documento e como atualidade, algo que
os professores em geral não fazem. Seu papel é saber buscar, questionar, fazer
boas perguntas e depois, quando se obtém resultados, selecionar, guardar e
agregar todas as ideias para fazer um documento próprio do aluno. Não estamos
começando do zero. A Federação Internacional de Associações e Instituições
Bibliotecárias, com sede na Holanda, é forte e tem filiais em cada país.
IPS:
Quais diretrizes a União Europeia emprega para regular os meios de comunicação?
DFM:
A diretriz Televisão Sem Fronteiras foi revista e transformada em Serviços de
Comunicação Audiovisual. As empresas europeias não podiam, por exemplo, fazer
publicidade de produtos nos filmes. Protestavam porque estavam perdendo a
batalha contra os norte-americanos, pois estes podiam. Isto foi concedido e
também mais espaço para publicidade. Como contrapartida, decidimos incentivar
os países a fazerem educação para a mídia. O Parlamento Europeu fez uma
recomendação e as diretrizes estão em vigor desde 2010. A ideia está avançando,
mas não recebeu mais recursos, então precisamos dividir o que existe para uma
nova tarefa. O risco é que a educação para a mídia acabe sendo privatizada,
porque a escola não pode fazê-la.
IPS:
E o que é a Hollyweb?
DFM:
A Hollyweb é uma associação entre os maiores produtores de mídia clássica e
audiovisuais com os principais meios digitais, como Google, Disney, General
Electric, Microsoft, Apple. Alguns estão se transformando em editores de
conteúdos, têm escolas e penetram em outras. Já o faziam antes, mas, com as
oportunidades de autopublicação e produção de conteúdos a baixo custo,
aproveitam para vender seus serviços. É um sistema que está semiprivatizado. O
problema não é os conteúdos serem bons ou maus, mas o princípio, a maneira de
organizar sua distribuição na escola. Isto não é gratuito, tem um preço que
devemos avaliar em termos de valores. Envolverde/IPS
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